Muitos pais e mães que optaram
por educar seus filhos fora das escolas tem medo de falar sobre isso. Sabem que
vão ser atacados imediatamente por quem está a (não) os escutar. Muitas
crianças unshoolers ou homeschoolers, preferem não dizer nada quando lhes
perguntam : onde você estuda. Sabem que podem ser alvo de preconceitos,
criticas, de mais perguntas e chegam até a ouvir insultos contra seus pais e
coisas fortes como “eles deveriam ser presos”. É difícil ser de fato
escutado. As perguntas que as pessoas fazem, em geral, não podem ser
respondidas com uma frase simples, como “eu estudo no colégio tal ou, o
filho estuda na escola tal”. Não. Em geral, é necessário explicar muitas
coisas. E quase nunca as pessoas estão dispostas a escutar o que tem para ouvir
dessa experiência diferente. Então, é normal ter que ouvir...conselhos,
advertências, ameaças e até insultos.
Mas, depois de
ter escutado muitas pessoas dando conselhos, advertindo, ameaçando e
insultando...depois de muito ler notícias sobre o tema, artigos e de visitar
blogs do mundo todo, fui percebendo que o que as pessoas tem a dizer
sobre homeschooling, ou unschooling, em geral se repete bastante, os argumentos
são sempre os mesmos e existem poucas diferenças entre uma pessoa e outra.
Mesmo quando se trata de pessoas com “autoridade pública”, ou “autoridade
científica”, em geral, falam desde o sendo comum. Alguns conseguem chegar
ao bom senso e, nem mesmo os cientistas falam desde o que seria um senso
científico sobre o tema.
As falas do senso comum sobre homeschooling:
Os que falam
desde o SENSO COMUM, que são a maioria, fazem julgamentos absolutos sobre o que
é o Homeschooling. Não tem a menor dúvida quanto ao que dizem. Desde sua
segurança total, se permitem desqualificar decididamente essa prática
educacional. “É um erro”. “É um absurdo”. Para eles, por princípio, só a
escola tem o poder, a capacidade, a condição, de educar crianças. E por
princípio, toda e qualquer família que não leve seus filhos para uma
instituição escolar, está errada.
Não importa se quem fala essas coisas é um professor universitário
com doutorado, um professor de escola, um burocrata do ministério, um juiz, um
pai ou mãe, ou outra criança. O conteúdo é o mesmo. A sensação ( note-se
que uso a palavra sensação) que eles tem é que algo terrível ocorre à criança
fora da escola. Ela está perdendo algo fundamental, algo essencial e o dano
será irreparável. Essa criança vai perder toda e qualquer possibilidade de
crescimento, de aprendizagem, de socialização. Acham que a criança vai se
perder. Que é, por tanto, uma vitima das circunstâncias em que os pais a estão
colocando. Sentem um misto de pena da criança e raiva dos pais que assim estão
agindo.
Não conseguem pensar qualquer elemento positivo nessa alternativa.
De fato, não a entendem como uma alternativa, mas como um abismo. Tudo que
conseguem imaginar é uma criança isolada, sozinha, condenada à presença
insuportável do seu pai ou sua mãe, todos os dias no mesmo lugar, sem ninguém
pra falar, brincar ou compartilhar.
E no outro estremo imaginam a escola como um espaço encantado. Uma
paisagem de crianças brincando, correndo, vivas. Um lugar onde estão sendo
atendidas em sua necessidades, onde um professor ou professora está cuidando do
seu aprendizado. Onde é Possível perceber que todo dia a progressos e
conquistas. Onde a diversidade de disciplinas, livros, informações configura
um mosaico sempre miraculoso aos olhos da criança. E sobre tudo, onde reina a
harmonia, a camaradagem e a amizade entre os amigos da mesma idade.
Essa dicotomia entre casa e escola, é típica do senso comum. A
escola é tudo e o lar é nada. A escola é crescimento e a família é atraso. A
escola é democracia e a família tirania. Essa dicotomia também a aplicam
a tudo o entorno. A escola é algo, o mundo é nada. A cidade, suas ruas,
suas praças, suas bibliotecas, suas instituições, são nada. A escola é tudo.
A cidade é caos, perigo. A escola é ordem, segurança. O mundo é perdição,
na escola existe o controle. Família, cidade, mundo é o indefinido, o
acaso, a incerteza, a escola, é o disciplinado, o organizado.
Sempre que escuto esse tipo de argumento, penso suspirando: Como
seria fácil o mundo se esse tipo de dicotomias fosse verdadeira!!”.
E então, como num passe de mágica, do medo aparece o senso de
punição. A urgência de fazer valer as leis vigentes. Para o senso comum, o
imediato seria fazer cumprir a lei. Que os pais sejam punidos. Que o menino
seja matriculado. Que a família seja avaliada. Que sejam verificadas as
perversões. Que se demonstre a traves de provas e testes o baixo QI das
crianças e dos pais.
É assim, em todos os cantos do planeta. O
senso comum não é um privilégio do terceiro mundo. Famílias que optaram pelo
homeschooling na Europa já tiveram que abandonar as presas seus países para não
perder a guarda dos seus filhos. Crianças desescolarizadas nos Estados
Unidos sofrem ataques nas redes sociais. São chamados de todo tipo de
adjetivos. As razões dos a agressores são as mesmas que as dos chamados
“cientistas da educação.
Em geral, o senso comum encontra seu melhor aliado na imprensa
escrita e televisiva. São raras as matérias que não tenham como objetivo
ridicularizar e deslegitimar as famílias que optam por essa prática. Quando
entrevistados os pais, mal conseguem responder as perguntas, sem que
sejam interrompidos e contestados pelo mesmo jornalista ou por um “especialista
em educação”, ou um “psicólogo”, um professor escolar ou um funcionário
público. A imprensa confia no “juízo”dos especialistas sobre o tema, mas nunca
pergunta que estudos realizou para chegar a tais conclusões. A final,
todas as verdade ditas parecem tão obvias!!
Em geral, o senso comum, sobre qualquer tema, não está disposto a
fazer perguntas. Está disposto a emitir juízos absolutos. Verdades
incontestáveis. Tudo que não se encaixe nos valores defendidos desde essa
perspectiva, em geral, sofrerá uma negação radical e sua condenação se deixa
sentir: ora na forma de uma autoridade que não escuta, ora na
interpretação unilinear das leis, ora na expressão de preconceitos. No
caso do homeschooling, como em muitas outras questões, o senso comum é o
canal de muitas violências, desde as mais sutis e simbólicas, até as mais
grosseiras e físicas.
O Bom Senso e o Homeschooling
As pessoas que se aproximam deste modelo
educacional desde o BOM SENSO, não necessariamente são simpáticas a ele. Não
partem a fazer uma defesa da coisa, mas tampouco se limitam a fazer criticas. A
pessoa com bom senso primeiro se detêm frente daquilo que percebe que é
diferente do que conhece. E, antes que iniciar um juízo, faz perguntas.
Pondera. Consulta seu próprio repositório de conhecimentos para tentar entender
do que se trata isso que, por ora, não conhece bem. O bom senso, não se
limita ao repertório pessoal, sabe que vai ter que consultar, perguntar, ler
alguma coisa. Informar-se antes de desqualificar, informar-se antes de aceitar.
Uma pessoa de bom senso de diz assim: “Olha, eu ando muito
preocupada com a educação dos meus filhos, mais nunca tinha pensado que
existisse uma alternativa fora a escola. Onde posso ter mais informação?”.
O que uma pessoa de bom senso faz é admitir
que nunca viu nada assim. Nunca conheceu uma pessoa desescolarizada. Não sabia
que existia isso de homeschooling ou unschooling. Nem sabe se isso é legal ou
ilegal. Pensa imediatamente que algo muito novo ou pontual e se surpreende
quando lhe mostram a dimensão do fenômeno.
Uma amiga que mora numa pequena cidade do interior do Estado de
Colorado nos EUAs, me disse assim: “Eu sou estrangeira aqui, mas nos 10 anos
que moro aqui nunca tinha ouvido falar disso. Deixa vou pesquisar.” Passei para
ela alguns links sobre grupos de homeschooling nessa cidade e muito rapidamente
ela trouxe notícias: “pois estou realmente surpreendida. Desculpa minha
ignorância, é que nunca tinha ouvido falar sobre isso. Conheci um grupo de
famílias que pratica. O que mais me surpreendeu é que o homeschooling é antigo
nos EUAs. Aqui na cidade são muitos, tem clubes onde se encontram, tem
reuniões toda semana, as crianças são super amigas...fiquei impressionada com
essas pessoas”.
O bom senso leva a uma procura por informação que permita
construir um juízo a posteriori, do que tais práticas implicam. A pessoa vai
querer saber coisas: como é, que fazem, como chegaram a essa idéia, desde
quando, e quais são as possibilidades, quais as dificuldades, quer saber se é
legal, como vão fazer para ir à Universidade, etc. Desde o bom senso a pessoa
pode buscar elementos para poder fazer ponderações num segundo momento.
O bom senso não
leva necessariamente a adoção da prática do homeschooling. Leva ao seu
respeito ou a uma critica sadia. A pessoa pode considerar que não todas as
famílias tem condições para viver a educação dos filhos dessa maneira. Pode ter
informações sobre casos que deram certo e casos que não deram certo. Podem
pensar que o desafio é muito grande. Que os custos são demasiado altos.
Que a dose de sacrifício por parte dos pais implica um modo de vida que muitas
pessoas não estão dispostas a levar.
Quando faz criticas, estas são feitas de maneira cuidadosa.
O bom senso se permite fazer comparações baseadas em informação. Mesmo
que informação secundária. Em qualquer caso, o bom senso não parte para a
defesa de “ideais” puros. Pois ao comparar o homeschooling com a escola, também
faz a critica desta na sua realidade.
Uma senhora amiga fez a seguinte reflexão: “Com tudo eu prefiro a
escola, mesmo que a gente sabe que esta funciona muito mal, mesmo a escola
privada está muito aquém do que deveria. Mas os riscos para uma família podem
ser muito grandes se ela não tiver recursos suficientes para dar conta do
recado. E não se trata só de recursos econômicos...falo de recursos
intelectuais. Mas eu mesma, se naquela época quando estava educando minhas
filhas tivesse conhecido algo assim, tal vez tivesse pensado duas vezes”.
Um discussão sobre o tema fundamentada no bom senso termina pelo
menos em algo assim: “É muito difícil pensar uma sociedade sem escolas,
mas temos que admitir que como está hoje o sistema escolar não vai pra nenhum
lado. Quem sabe, seja necessário ir ensaiando saídas para esse labirinto que
inventaram”.
CIÊNCIA, ESCOLARIZAÇÃO E DESESCOLARIZAÇÃO
Se um especialista em escolarização decide falar contra a
educação desescolarizada, deveria, ao menos fazê-lo cientificamente. Assim, não
diria que a desescolarização é um erro. Apenas afirmaria que se trata de um
paradigma diferente de educação, cujos princípios são fundamentalmente
diferentes dos princípios seguidos pelo paradigma escolarizado.
Sendo a escolarização um paradigma que conta com
o aval do Estado e da Lei, é evidente que se trata de um paradigma dominante. O
que significa que a relação deste com qualquer outro paradigma de educação não
gira entorno da sua verdade ou falsidade , mais da sua proximidade com os
centros de tomada de decisão, isto é, se trata de uma relação de poder e não de
veracidade.
É isto que faz com que nos debates os defensores do paradigma
escolarizado de educação funcionem como ideólogos de um regime e não como
cientistas. Se falassem desde o ponto da ciência teriam que limitar-se a
comparar os paradigmas e perceber que são, simplesmente diferentes.
Por isso categorias como socialização,
competência, avaliação pensadas desde o modelo escolarizado, devem ser
completamente redefinidas desde o modelo desescolarizado. Se tratadas
como categorias científicas, deveriam estar sujeitas a esses limites. Se fossem
científicas, não poderiam operar como universais. Quando utilizadas como
absolutamente verdadeiras, o que seria ciência passa a ser o exercício
autoritário do poder. É isso é outra coisa.
Assim, o cientista que se lança a desacreditar um modelo
educacional diferente do escolarizado, a partir de categorias que não se
aplicam a esse modelo, só está falando mal de si mesmo, está demonstrando que
nem mesmo ciência é capaz de fazer. Se quer fazer uma defesa radical do modelo
escolarizado o que pode fazer é dizer abertamente que essa é a sua crença, que
essa é a sua fé e que está disposto a fazer o impossível para defendé-la e
mesmo a atacar, encarcerar, ridicularizar, processar, aqueles que não
acreditam nela. Assim pelo menos agiria coerentemente e honestamente. Diria:
este é um combate entre verdades absolutas e estou disposto a negar sempre que
puder a verdade que não combine com a minha. Por isso, escolarização e
desescolarização são modelos de educação fundamentalmente diferentes.
Essa é a única verdade.
De fato, a emergência da escola historicamente, não obedeceu a
parâmetros científicos. Sim a parâmetros religiosos, primeiro, e
políticos depois. Foram os clérigos da Idade Media (quando ainda não existia a
ciência como nos a conhecemos atualmente) os que plantaram a semente e depois
os governantes alemães e franceses de inícios do século XIX. Isto, por si
só demonstra que o modelo escolar não tem uma base científica, mas
ideológica. O que pode ser dito é que com o passar do século XIX e XX,
diversas alianças entre política e tecnologia tem dado ao modelo escolar
algumas das características atuais: o tipo de arquitetura, o tipo de
burocracia, o tipo de currículo, o tipo de disciplina. Mais nada disso é
ciência no sentido estrito.
Cabe perguntar-se o que disse a ciência a respeito do aprender e
do ensinar? Da escola?
Cabe. E cabe inquirir onde foi que os sistemas educacionais
escolarizados incorporaram efetivamente os conhecimentos vindos da ciência nas
práticas educacionais: o que de científico, em sentido estrito, tem os prédios,
os planejamentos, as regras, os processos burocráticos, a formação dos
professores, o modelo de aula, os horários, a quantidade de conteúdo, o
currículo, o ritmo empregado, o modelo de avaliação escolar e a compulsoriedade
e os propósitos do modelo? Talvez a resposta certa seja: nada disso é
ciência. Nem mesmo em sentido relativo.
Ao falar de questões como socialização, por exemplo, um cientista
deve revisar as diversas teorias existentes sobre o tema e perguntar-se se uma
delas permite uma interpretação do tipo de socialização que vivem as crianças
fora da escola. Pode também comparar isto com o tipo de socialização vivido
dentro da escola. O que não pode é dizer que socialização só se vive dentro da
escola ou que a ideal seria a socialização escolar porque então uma vez mais
estaria driblando os limites que o campo científico estabelece. Muito
menos pode sair qualificando negativamente ou negando a socialização vivida
fora dos muros da escola.
Um cientista
pode igualmente comparar teorias diversas sobre educação e perceber que existem
diversas formas históricas. Uma delas é a escolarização. Pode comprar esta com
outras modalidades, e ver que desde que existe humanidade houve educação e que
na maioria do tempo histórico esta não ocorreu de maneira escolarizada. Pode
também, descrever os elementos de cada uma delas, seus princípios e
fundamentos. Ora tomar partido....é fazer política.
A ciência pode fazer uma história da educação domiciliar ver
como ocorreu ao longo dos séculos e quais foram as características da mesma em
cada época. Pode fazer uma sociologia e então analisar as condições
sociais da sua emergência, as reações sociais a sua presença, as relações de
poder que suscita, especialmente no que diz respeito de como os cidadãos se
colocam a respeito do poder do Estado e viceversa. Desde a pedagogia podem ser
feitas análises específicas do que implica em termos de currículo, de
didática, de ritmos e processos. Desde a psicologia da aprendizagem podem ser
estudados os efeitos que estudar em ambiente domiciliar ou em ambientes
não formais tem sobre as crianças, adolescentes, jovens e adultos. Podem
e devem ser estudados desde a psicologia questões diversas relativas à
constituição da personalidade, a capacidade de relacionamento, resposta a
desafios, aceitação da disciplina. Desde o ponto de vista do direito, podem ser
comparadas leis de diversos países e podem ser analisadas as formas que o
Estado assume em cada caso, se mais autoritária ou mais liberal a respeito,
etc.
O que não pode em nenhum caso é dizer que essas questões só podem
acontecer dentro da escola e que fora dela tudo dá errado...isso é senso comum.
De fato existe uma leitura desde diversas áreas da ciências
sociais sobre a escola e suas práticas. O que os cientistas sociais dizem a
respeito disso é que assim fica a olho nu o caráter ideológico e político do
modelo educacional escolarizado. Que ele é uma estratégia politicamente
instaurada de controle populacional. Mais nada. Um mecanismo de exercício
do poder político, econômico, social e cultural. Reunidas compulsoriamente
e dispostas num espaço hierarquizado, as crianças, indefesas, são
domesticáveis, controláveis, contabilizáveis, dirigíveis. Educacionalmente,
epistemologicamente, eticamente como mecanismo é ineficiente. O que importa
esta dado, o sistema sabe onde estão e o que estão fazendo e pensando milhões
de crianças todo dia.
Fazer isso não é ciência. Fazer isso é política. E a
política é antes de mais nada ideologia, jogo de poder.
Assim, resulta estranho ouvir ou ler um cientista dizer que a
educação fora da escola é, simplesmente um erro. Que socialização só pode
acontecer na escola. Que os únicos que tem competência são os professores. Que
o espaço ideal para aprender é o escolar. Que sem a escola ficam expostos as
perversões da família. Tudo isso, vimos, é apenas senso comum, não
ciência.
De fato, não existe nenhuma teoria científica que afirme que a
única socialização possível e verdadeira, que a única educação possível e
verdadeira é a educação possível e verdadeira, é a educação escolar. E se
alguém erguer algo que o pareça estará apenas utilizando o nome da ciência para
exercer seu poder.
Se um cientista é questionado a respeito do homeschooling tudo o
que ele pode dizer é o que estudou nas suas pesquisas ou nas pesquisas de
outrem sobre o tema. Não pode simplesmente dizer o que acha. Se vai dizer o que
acha, então deve ter a coragem de denunciar sua ignorância a respeito do tema e
explicar que vai falar como um pai desinformado sobre o tema. Se não faz isso,
pesa sobre ele o uso de sua investidura de cientista para emitir juízos de
autoridade sobre temas que desconhece. O que resulta num exercício de poder da
pior espécie e num sério problema de ética científica. O cientista entrevistado
o que deve fazer é propor pesquisa sobre um campo sobre o qual a ciência
conhece muito pouco. Para isso tem que ser epistemologicamente honesto.
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