sexta-feira, 15 de abril de 2011

Algumas palavras sobre domesticação, revolta e de que lado nós estamos


   A ferocidade se manifesta quando a existência livre é molestada. Assim como um animal se debate quando é capturado, quando uma mãe ursa defende sua cria, quando índios lutam até a morte contra os colonizadores, quando povos africanos escravizados se rebelaram contra sua condição e fugiam para voltar a viver de uma maneira comunal; os luditas destruindo as "fábricas de opressões", os jovens imigrantes e filhos de imigrates na França, que recentemente entre os anos de 2005 e 2006, queimaram carros, escolas, lojas e prédios do  Estado em resposta ao assasinato de dois adolescentes que fugiam da polícia. Estes são alguns exemplos de que a rebeldia sempre estará presente quando nossa liberdade e aqueles que amamos forem ameaçados e molestados. A rebeldia esteve presente desde o inicio da civilização e estará até seu fim.

 Porém, hoje parece que muitos estão aceitando passivamente a domesticação, aceitando pacificamente o roubo de nossa existência.
O que está nos separando da nossa ferocidade?  O que está nos deixando cada vez mais distantes de nós mesmos ao ponto de nos tornarmos uma mera peça de engrenagem da civilização, nos privando de uma existência plena em comunhão com a natureza e ainda acreditarmos que está tudo bem?
Estão sugando toda nossa vitalidade, e estão tomando cuidado para nos deixarem somente o medo.

Claro, não é preciso dizer que a inércia, as bugigangas inúteis e tóxicas e as propagandas que 24 horas por dia nos dizem que só seremos felizes se comprarmos mais e mais bugigangas, quando assistimos mais e mais programas de tv e espetáculos, e que votar periodicamente para prefeito, governador e presidente cria a ilusão de estarmos numa sociedade onde temos poder de escolha e decisão, enfim, que tudo isso colabora para a sensação de que tudo está bem.

A rebeldia é um anticorpo. E esse anticorpo é um dos principais alvos que as forças domesticadoras se empenham em anular.  O Brasil, por exemplo, é um lugar onde as forças domesticadoras têm conseguido com muito êxito manter anestesiada a revolta. O dia 7 de setembro ( data de uma comemoração nacionalista e patriota, ou seja, racista e separatista ) não encontra nenhum obstáculo - o método de domesticação através do nacionalismo tem sido um sucesso. Nas escolas aprendemos que os quebradores de máquinas (ludditas) são uns vândalos e ignorantes que não queriam o progresso, e também na escola aprendemos a venerar o progresso, a tecnologia , o desenvolvimento e o crescimento econômico; aprendemos também que o Estado, o maior parasita da humanidade, é a vontade do povo (pelo progresso) e que a polícia é necessária para manter a ordem e segurança, pois sem isso teríamos a 'anarquia'.  Na escola também aprendemos como matéria principal a obediência e o respeito a autoridade: ir ao banheiro somente quando for autorizado, vinte minutos de intervalo, provas, horários, lição de casa, professores e diretor; aprendemos na escola que a rebeldia e a desobediência é 'delinquência', mas não explicam a origem da 'delinquência'. O que é a 'delinquencia'?

Nossa existência e capacidade de cuidar de nós mesmos estão sendo roubadas pelo trabalho a troco de bugigangas e de um 'tempo livre' regado a mediações e espetáculos; o planeta está sendo arruínado: florestas estão sendo devastadas e a urbanização se espalha desenfreadamente, mares poluídos e desertos azuis se propagam, rios estão sendo mortos e modificados; povos indigenas (aqueles com quem temos muito a aprender) com suas terras invadidas e roubadas se tornando seres desenraizados, muitas vezes suicidas e alcoolizados frente ao vazio de suas vidas roubadas e a visão de seus filhos morrendo de fome e de doenças civilizadas*; animais são mortos diariamente aos milhões seja pela agricultura ou pela pecuária, o industrialismo e a urbanização contribuem para a matança daqueles com quem compartilhamos este planeta seja pela devastação ambiental por recursos e expansão, seja pelas estradas que cortam ecossistemas inteiros para poderem escoar as bugigangas produzidas por toda parte; outros tantos milhares de animais são torturados em laboratórios diariamente na desculpa de 'buscar a cura dos males que afligem a humanidade' (antropocentrismo à parte, 'cura' de doenças criadas pela própria civilização), isso sem citar o uso de animais para a "diversão", uma humilhação sem tamanho contra nossos irmãos. E assistimos também o espetáculo ou choro das falsas e parciais oposições que não entendem ou não querem entender que o mal se corta pela raiz.
Isso tudo está acontecendo aqui e agora, diariamente. E sujeitos a um cotidiano degradante de trabalho e consumo, o que temos é conivência, e não desobediência/insurgência e revolta, e assim se continua a assistir a nossa destruição e a destruição do planeta (na ilusão de que a reciclagem e o biodiesel  nos salvará do aquecimento global).

A insurgência, a desobediência, a revolta contra a civilização está se levantando energicamente assim como o planeta está reagindo as mudanças que nosso modo de vida causou. O selvagem se vinga! não se pode controlar o que é selvagem! A revolta é inevitável.

 A revolta contra a civilização em “duas frentes” 

De maneira alguma quero tentar limitar a revolta em 'duas frentes' , mas penso que seja útil aqui abordar desta maneira.
As duas frentes:
1) A construção de um novo modo de vida baseado em fundamentos contrários aos da civilização.
2) O ataque contras as estruturas físicas da civilização (tais estruturas tem nome e endereço).

Primeiramente a construção de nossa autonomia. Essa autonomia obviamente é em todos os níveis. Isso significa romper a nossa dependência do Estado e do mercado, significa a construção de novos modos sustentáveis e biocêntricos de providenciarmos as nossas reais necessidades para nós e para os nossos queridos; significa a reabilitação dos nossos sentidos adormecidos, de nossa espiritualidade única e individual, o que requer a reapropriação do tempo e espaço; novas maneiras de compartilharmos o conhecimento da experiência humana, novas maneiras de nos relacionarmos com o nosso planeta e seus habitantes. E nisso, o resgate de nosso passado (extremamente recente) nomade coletor-caçador tem uma grande importância, não significa retorno, significa resgate, significa cura.
 Alguém pode considerar esta estratégia não como um ataque mas sim uma 'oposição passiva', eu discordo completamente, a não ser em casos de auto-isolamento ( e mesmo assim não vejo com maus olhos tais iniciativas).
Ao meu ver, construir a autonomia é um forte ataque à civilização, construir uma nova comunidade que não se baseia nos fundamentos da civilização é um golpe firme contra a civilização, pois fazer acreditar que existe somente uma maneira de viver, somente uma maneira 'certa' de viver é um das ferramentas mais eficientes da civilização para nos manter reproduzindo a sua lógica, para nos manter nas suas engrenagens. Exemplos de outros modos de vida são uma arma vital contra esta forma anuladora da vida e da diversidade. Mas esta construção não é a construção de um gueto, é uma ofensiva persistente.

É bem claro que para criarmos esta autonomia, para reapropriarmos o tempo e espaço requer também o ataque físico a civilização, e é sobre isso que eu vou falar brevemente agora, a segunda 'frente'.

Construir uma nova vida requer destruir o velho mundo, e isto significa também o ataque contra as estruturas físicas da civilização. Este ataque, penso que vai desde pichações até sabotagens das estruturas tecnológicas e industriais que sustentam o sistema e seu maquinário de repressão e controle.
É bom eu ter falado nas pichações pois isso leva a um pequeno detalhe de grande importância: as pequenas ações. As pequenas ações como pichações, ocupações/squats e a sabotagem menor, além de serem estratégias que exigem técnicas e materiais que são acessíveis a qualquer indivíduo, possuem um efeito qualitativo muito importante contra a "paz social", em outras palavras, contra a dormência dos domesticados. O sistema obviamente não teme estas pequenas ações, o que ele teme é a difusão destas pequenas ações, pois por sua facilidade de reprodução pode despertar a paixão da revolta contida entre os indivíduos explorados.
O ataque ao sistema deve ser tão variado e diverso o quanto a imaginação permitir. A arte de atacar e de se retirar é vital aqui.
A civilização pode entrar em colapso por não haver mais alternativas para a extração de recursos, por exemplo, mas pode entrar em colapso quando não é mais aceitável a sua existência, e isso nos leva aos ataques 'maiores', ataques contra os tentáculos e contras as principais veias da civilização industrial. Destruição de estradas, industrias e laboratórios, torres de energia, destruição de ferrovias, a sabotagem contra os avanços da urbanização, a sabotagem contra a construção de prisões, a sabotagem contra os meios de comunicação. Enfim, atingir onde dói.
Ao meu ver uma estratégia depende da outra, uma complementa a outra. Não existe contradição entre elas. Ambas colaboram para o colapso.

 Uma responsabilidade revolucionária? adiantar o colapso.

Muitas vezes vejo comentários de que a 'ideologia' do colapso é uma recusa da 'responsabilidade' revolucionária. Bom, para rebater este pensamento limitado nada mais útil do que atualizarmos o que significa 'colapso'. Pelo menos eu entendo e visualizo o colapso como a revolta da terra e de seus habitantes contra a civilização; a falência do industrialismo; o desmanche de uma ilusão cuiltivada pela televisão, pelos jornais, escolas e ambientes de trabalho, o que significa o levante humano contra o que tem sugado sua vitalidade e plenitude. Colapso, ao meu ver, é também o ápice da revolta.

A responsabilidade revolucionária, para mim, é o adiantamento deste colapso, é o jogar com elementos que provoquem o desmanche da ilusão, é a sabotagem de toda estrutura física que sustenta esta máquina, é o ataque surpresa a toda normalidade, é a destruição de toda jaula e o ataque a todo carrasco e carcereiro, é a vingança contra todo domesticador.

A revolta contra a civilização é a cura de uma profunda ferida de 10.000 anos de domesticação, é a destruição dos agentes que tem nos causado este pesadelo.
Existe uma guerra contra esta máquina, contra o roubo de nossa vida e a destruição do nosso planeta. Uma guerra pela vida contra a civilização.
E a pergunta não poderia ser outra: De que lado você esta?


 - Polar

nota: * A reação dos povos indígenas modo de vida ocidental é crescente, é o que se entende por 'povos ressurgidos".



FONTE: Coletivo erva daninha 

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